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O poder da Rádio

A Rádio criou fantasias e mundos tão importantes que conseguiu unir muitas pessoas.  Ouvir uma voz era uma forma de estar acompanhado. Quantos, na sua mais profunda solidão, imaginavam como seria o rosto de quem emprestava aquela voz que rasgava a tristeza e inundava casas com alegria e esperança? Era a mesma caixa, a que tinha lá dentro o que se ansiava, a portadora das notícias que tinham sempre dois polos, as boas e as más.

Quando as más notícias chegavam, soltas e duras, colava-se o ouvido ao objecto para tornar tudo mais credível. Foi através desta forma de comunicação que se soube da guerra e dos seus avanços. Também foi com esta caixa, que podia ter variados tamanhos, que se celebrou o fim da mesma. Alguém do outro lado tinha a responsabilidade de informar os ouvintes de como ia o mundo.

Foi com a caixa que emitia sons que se dançava em casa, depois das tarefas completas e com a vontade na ponta dos pés. A música era uma espécie de magia que curava as angústias e os medos e criava bolhas de muita alegria. A orquestra que tocava, do outro lado, podia chegar ao coração de quem a ouvia. E rodava-se na sala de casa como se fosse num salão chique, enfeitado com requinte e com convidados distintos. Ricos e pobres ouviam o mesmo, mas o sentir era bem diferente. A música ainda é universal.

Mais tarde chegaram os folhetins radiofónicos e os actores, em frente ao microfone, davam vida aos muitos personagens que iam surgindo. O público aguardava, com alguma impaciência, o desenrolar dos acontecimentos e as dores e os amores que eram vividos por todos. Arrastava-se a trama para que o suspense fosse maior e os corações de quem ouvia, sangrassem como se fossem reais. Lutas de classes que tinham outros nomes, mas que serviam para esquecer as dificuldades do dia a dia. “Simplesmente Maria”, um título singelo, colou milhares ao aparelho para saber do destino de António e Maria.

Os discos que eram editados não chegavam a todas as casas, mas a Rádio, essa máquina mágica, levava tudo o que era novidade para quem a quisesse. O programa “Quando o telefone toca”, patrocinado por uma marca conhecida, permitia que se ouvisse a tal música que estava na moda. Telefonava-se para a estação em causa, dizia-se a frase de propaganda e pedia-se o disco que até os mais envergonhados ouviam com imenso prazer. Quando não se sabia dizer o nome da música ou de quem a cantava, bastava trautear que servia para a função e o locutor, aquela voz que acalmava, sabia logo qual era.

A publicidade cantada era do melhor que havia. Promoviam-se as marcas, ficava no ouvido e experimentava-se o que de novo surgia no mercado. Quem não se recorda das melodias e dos jingles? Durante anos cantava-se o que tinha ficado na mente e a vontade de rir não parava. Bela forma de vender. Mesmo não sendo cliente, a mensagem passava rápido.

A noite é sempre mais convidativa. Certos programas ficaram na memória colectiva e fizeram história.  Em Órbita e Oceano Pacífico foram meus companheiros durante anos. Qualidade de selecção e vozes que sabiam ler as solidões de cada um, merecem um lugar de destaque no espaço hertziano. Músicas que funcionaram como terapias e pessoas que encheram a vida de tantos. Sem rosto, apenas com cordas vocais apaixonantes.

Hoje ouvir rádio é apenas para alguns.  Em casa há a televisão, imagens que mexem e que são atractivas. O som fica esquecido. No carro, para saber do trânsito, ainda há quem o ligue e oiça com atenção. Ou então nos locais de trabalho, onde não atrapalha e facilita. Também serve para outras actividades, como o teatro, pois oferece bilhetes e estabelece um outro contacto, o antigo, com vozes de um lado e do outro. Ou ainda para entrevistas onde, mais uma vez, se imagina a quem pertence aquela voz.

A voz é essencial e é a primeira conquista que a Rádio consegue fazer. Solta poeira de sonhos, viagens com companhia, temas que são importantes, a humanização do outro lado da linha, os conselhos e sugestões que dá, o conforto que presta e as guerras que pode suscitar. Há que agradecer a quem se dá nestes moldes, a quem chega a tantos e que cura males que não se percebem ou que agitam almas que precisam ainda de muito navegar.


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